sábado, 5 de janeiro de 2008

Porco e Pimenta : VAPC


VIDAS ANÔNIMAS E PENSAMENTOS CORRETOS

Naquela cidade, eram mundos diferentes, eram histórias sem fim se cruzando no sinal vermelho, eram outras histórias sem fim que estavam no trânsito, as histórias sem fim tinham pernas apressadas, e suas caretas demostravam pressa, o organismo era movido à pressa.

O dia está cinza em São Paulo, como sempre esteve, e é na rua mais importante que essa história começa, o barulho da metrópole enchia o ambiente de música barulhenta, música essa que para os habitantes d'aquele lugar era comum aos ouvidos, todas as calças sociais e as maletas, pretas, se cumprimentavam num rápido passar, sem se tocar, apenas o vento feito pela pressa se tocava, e o cheiro, o cheiro de cada um naquele grande formigueiro, o cheiro podia ser pego no ar de vez em quando, eram cheiros corporais, ou dior's ou boticários, não eram fortes o bastante para serem perceptíveis, mas estavam lá, sem dúvida nenhuma, estavam.

Àquele projeto de adulto caminhava, apressadamente, pela Avenida Paulista, não via paisagem, não notava nada além de seus afazeres, e falava pensava em seu miolos em números, ele só pensava em números, em somas, em ganhos e perdas. Seu cabelo cheirava à gel, suas mãos tambem, vestia um terno bem passado, e uma camisa bem engomada, estava descorfotável, o sapato apertava seus dedos, que nessa altura do campeonato mais pareciam dados, sem as bolinhas que indicavam números, essas, certamente estavam em seus miolos, muito próximas do cifrão. Ele não tinha filhos, e nem ao menos uma acompanhante, a familia em que crescera não o dava um horizonte tão amplo, se jogou no mundo cedo, tinha orgulho de seu caminho que tanto apertava seus dedos, e saudade dos tempos do futebol na rua de terra, estava alí, não havia mais praia, nem terra, e o sol parecia não ser o mesmo sol que antes esquentava sua pele de uma forma gostosa, agora, quando aparecia, queimava parte do seu cucuruto, que começava a aparecer a medida que seus cabelos começaram a encalvecer.

A sua imagem refletia nas vitrines, ele podia ver, de vez em quando tirava um pequeno pente do bolso do paletó e penteava seus cabelos em frente à um vidro insufilmado de qualquer carro estacionado que encontrava pelo caminho, esses que na maioria eram prata, isso sempre o fazia parar de pensar nos números, como têm carros prata pela rua, e ele estava certo.

Dentro de um carro prata, estava uma senhora, no transito, via pelo retrovisor a imagem de suas rugas, e de suas pálpebras, que agora estavam mais caidas do que de costume estariam, a velhice causava nela uma sensação estranha, um medo da morte, a morte havia levado seu marido faz algum tempo, e sua casa agora era bem mais fria, seus grandes móveis já não tinham mais plena utilidade, e não havia mais o porque de levantar cedo pra fazer café, ou de passar um batom pro dia-a-dia, mas ela o fazia.

Seus dedos no volante pareciam ter sido mergulhados em água por um bom tempo, eram enrugados e magros, suas unhas rosa-bem-clarinho refletiam a cor opaca da cidade, a cor opaca da sua vida desde que o marido havia falecido, seus filhos e netos vinham visita-la de vez em quando, ir à igreja funcionava como um relaxamento, mas as palavras que saiam da boca do profeta já não tinham mais o mesmo ardor, a vida perdeu a graça sem o marido, as lágrimas velhas faziam transbordar seus rios de rugas, seus pés-de-galinha, tudo era tristesa, tudo era rosa-bem-clarinho, até seu café ficara mais amargo, ela pensava, a vida sem ele não tem sentido, e ela estava certa.

No quintal de casa, uma menina brincava com suas amigas, era uma grande bacia rosa, cheia de água, e varias bonecas peladas, loiras, que se divertiam num belo dia de mergulho no Estados Unidos, depois iriam ao shopping, Rebecca compraria uma nova saia, e Barbara um oculos branco, um que pareça com os óculos da Sharpay do High School Musical, dizia a dona da mão que a segurava.

Uma das crianças, a negra, não estava tão animada com a brincadeira, se sentia um pouco confusa de não ter nenhuma negra nas piscinas do Estados Unidos, por outro lado, não ter nenhuma ruiva, nem morena a confortava, Leticia, havia cansado de tomar banho de piscina, e tomava sol nua, numa toalha de rosto, talvez na tentativa de enegrecer um pouquinho, o fato era que não havia sol naquele dia nos Estados Unidos, era tudo muito cinza, então as meninas emprovisaram uma lanterna-de-mesa-sol, tirada da escrivaninha do pai de uma delas.

A menina negra se levanta, e com ela, Leticia, da alguns passos em uma direção premeditada e mergulha Leticia na churrasqueira, onde um banho de carvão deixa empretecida a boneca californiana, levanta a boneca, e ela se encontra num estado deplorável, certamente negra, a menina pensa, agora está mais parecida comigo, e ela estava certa. Todos sempre estão certos do que pensam.

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